Depressão Pós-Parto

Depressão pós-parto

Seu filho nasceu. E de repente, depois de todo o preparo para o nascimento, você se dá conta de que é tudo muito diferente do que imaginava. As incertezas e inseguranças dos primeiros meses costumam derrubar bem rápido a ideia da maternidade idealizada. Na verdade, uma minoria passa por essa transformação sem qualquer frustração: 80% das mulheres sofrem com o chamado blues puerperal – tristeza e variações de humor após o nascimento do bebê, segundo estudos citados pelas especialistas ouvidas pelo G1.

Dessas mulheres, 20% terão depressão pós-parto, passível de tratamento com medicamentos e acompanhamento. Mas 100% terão que lidar com a adaptação física e emocional implicada na maternidade. Então, afinal, o que acontece com a mulher depois do parto?

Em 2014, as vidas da ilustradora Thaiz Leão, de 27 anos, e da YouTuber Helen Ramos, de 30 anos, mudaram radicalmente quando elas deram à luz seus filhos. A Helen teve o Caetano em fevereiro e a Thaiz ganhou o Vicente em junho. Para elas, a experiência foi tão forte, que elas contam terem nascido de novo.

“Você tem muito essa sensação de morte mesmo, inclusive da dor que você sente. Então é muito único”, diz Helen.

“É um período de transformação, semelhante ao que acontece com todo mundo na adolescência. Não dá pra passar ileso, e nem é esperado que se passe. A diferença é que dessa vez há um outro ser implicado: o bebê”, explica a psicanalista Vera Iaconelli, diretora do Instituto Gerar.

Fisiologicamente, o chamado puerpério dura 40 dias após o parto: o tempo que o corpo leva para voltar ao estado anterior à gravidez. Mas a leitura do período, para cada mãe, é diferente na prática. “Eu considero puerpério quando tem um envolvimento químico e físico do corpo muito forte, junto com toda a dificuldade que existe na maternidade”, diz Helen. Já a adaptação emocional, essa não tem data certa para acabar. “Eu acho que ainda não saí do puerpério”, conta Thaiz.
Também no período de pós-parto, segundo Carolina Ambrogini, ginecologista e obstetra da Unifesp, duas coisas costumam gerar grande estresse para as mães: problemas com a amamentação e transtornos de humor. “A placenta produz a progesterona que mantém a gravidez. Quando ela sai do corpo, esse hormônio cai 400 vezes e isso pode sim causar essas alterações de humor que são tantas vezes incompreendidas por quem está no entorno da mulher”. Helen passou pelo blues puerperal e desenvolveu depressão pós-parto.

A médica ainda explica que a adaptação durante o puerpério é extremamente complexa. “As mulheres hoje em dia são muito solitárias. A gente não sabe o que vai enfrentar e tudo o que ouve é uma visão idealizada e romântica das coisas. Pensa no enxoval, no chá de bebê, no parto, e quando a realidade acontece, ela parece muito diferente”, afirma. Foi o que a Thaiz sentiu ao contar aos seus pais que seria mãe.

“As pessoas mais velhas têm essa mentalidade que tudo se resolve com dinheiro… Eu falei: ‘mãe, tanta coisa que você pode resolver com uma canja que você não faz ideia’”, relata.
Já Helen teve que aprender a “desromantizar” a maternidade quando engravidou antes do planejado. “Queria ser mãe, mas me via com 40 anos, rica, bem-sucedida, sabe? Tinha a impressão de que ser mãe é assim. ‘Ah, vou esperar ter dinheiro para ter filho’. Talvez esse dia nunca fosse chegar.”

Para Vera, a “fantasia” de que o amor surge imediatamente após o nascimento do bebê cria na verdade uma armadilha para os pais. “A visão equivocada sobre a maternidade atrapalha muito na elaboração dessas mudanças. A mulher se sente culpada, acha que está errada ao sentir o que sente. É só na nossa cultura que o nascimento é um acontecimento individual, ou do casal. Na verdade, o nascimento é uma chegada à coletividade”.

“O bebê precisa de cuidado comunitário. Mas isso em geral não acontece. Na nossa cultura, o abandono social é vendido como ‘uma boa mãe dá conta sozinha’. Você desresponsabiliza o grupo e super responsabiliza a mulher”, diz a psicanalista.

Foi o que Helen observou depois de perceber que muitas mães se sentiam como ela. “Não adianta você ‘desromantizar’ a maternidade, e a sociedade não.

Alternativas e ‘válvula de escape’

Além das coincidências sobre as idades de seus filhos, o que também une Thaiz e Helen é a forma que encontraram para lidar com as inseguranças, dúvidas e problemas da maternidade. Ambas criaram projetos que falam sobre as descobertas dessa fase de forma direta e bem-humorada.
Terminando uma graduação em design, a Thaiz fez o primeiro desenho contando sobre a sua nova vida quanto o Vicente tinha apenas 3 meses. Para ela, as tirinhas funcionavam como um “diário de bordo”. “Foi por necessidade minha. Para mim, pareceu muito prático desenhar, porque eu conseguia reunir o começo e o fim de uma história. Eu comecei a fazer para mostrar para os meus amigos porque, naquele momento, só eu era mãe”, conta.
Após publicar seus trabalhos em seu perfil no Facebook, seus amigos a incentivaram a torná-los públicos, o que deu origem ao “Mãe Solo”. Os temas surgem conforme as experiências que a Thaiz tem com seu filho. “A demanda é observação na casa, vivência”, conta. Atualmente, a página do Facebook que divulga a iniciativa tem quase 70 mil likes, e uma loja virtual vende as criações, como o livro “Chora lombar – Maternidade Na Real”, camisetas e pôsteres.

Com a Helen, demorou um pouco mais. Ela criou o canal no YouTube Hel Mother quando o Caetano já tinha pouco mais de 2 anos. Após uma pesquisa, percebeu que ninguém produzia vídeos sobre o assunto. E contou com um empurrão das amigas, que publicaram o primeiro vídeo no dia das mães de 2016. “Eu sentava em uma roda, contava uma história e todo mundo passava mal de rir. Dois minutos depois, elas estavam emocionadas. A gente achava que ia dar muito certo”, conta.
Agora, ela já tem 76 mil inscritos e o seu vídeo mais famoso tem mais de 200 mil visualizações. Ela afirma que os retornos que têm são os mais variados possíveis:
“É muito legal encontrar alguém na rua e falar: ‘cara, eu não queria ter filho, mas eu assisti ao seu canal e eu percebi que quero muito ter filho’. Ou encontrar alguém e falar: ‘eu achava que queria ter filho e não quero de jeito nenhum depois que eu assisti ao seu canal’. E eu falava: ‘ótimo’. Pelo menos serviu para uma decisão”.
Ainda que cada mãe encontre seu próprio caminho em tempos diferentes, a obstetra Carolina defende todas as alternativas, como uma forma de compor uma rede de apoio. “As mulheres encontraram saídas, buscaram apoio no ambiente virtual, em fóruns, blogs e comunidades. Muitas começam a empreender, até se tornam blogueiras ou Youtubers e tudo isso é muito rico.”
Além do projeto Mãe Solo, Thaiz conta que começou amizades com outras mães em grupos de puerpério em redes sociais para “não surtar”.

Ela combinava encontros para que saíssem com seus filhos.
“Me fazia mal ficar só pensando nele, só coisas para ele, só falando de maternidade. Falava [para outras mães]: ‘você tem um bebê da mesma idade que o meu? Vamos sair! Onde você quer ir?’. E eu ia. Foi descobrir uma rede que estava na mesma necessidade que eu e que queria fugir do mesmo jeito que eu”, afirma.
Para Vera, o humor da chamada “maternidade real” ajuda, não só a própria mãe que conta sua história, mas também a desmistificar o nascimento e seus dramas para outras mulheres. “Acho que o termo maternidade real funciona quando ele se opõe à ideia de maternidade ideal. Claro que pode haver mães que não passam por essa sensação e elas também vivem maternidades reais. Mas gosto muito de usar o termo ‘maternidade possível’, com o que é possível para aquela mãe, aquele pai, aquele bebê, no seu ambiente e com suas contingências.” Segundo Helen, é importante que as pessoas entendam como é a maternidade em todos os sentidos, para que as mães realmente vivam em sociedade. “Porque mãe não quer só se relacionar com mãe. A gente quer estar no mercado de trabalho, nas festas, quer ter círculo social”, pontua.
E com todos os perrengues, Helen e Thaiz dizem que o que faz com que elas encarem esse período com mais leveza são seus filhos. Thaiz descreve o Vicente como “o cara da sua vida”: “Ele é a minha melhor relação com outro ser humano. E olha que é difícil. A gente briga. E ele só tem 3 anos!”, brinca. Helen diz que tem por Caetano “um amor diferente de tudo o que já tinha sentido”. “Ele acordar e falar ‘oi, mamãe’, já vale. Mesmo quando ele não falava, quando ele acordava banguela, babando. Todos os dias valem a pena”.


O artigo acima foi originalmente publicado com o título Maternidade real: da depressão ao bom humor, como as mulheres lidam com o pós-parto?  no portal G1 EM 12/05/2017. Boa Leitura!

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