Individualizando o parto

   A minha profissão é belíssima.
   É Bela porque dou a mão à minha paciente e com ela vou aonde for preciso. E, se necessário for, vou ao fundo do poço. Participo e sofro junto na descoberta de um câncer, de uma infertilidade, de um aborto. Vou longe, remexo na infância, relembro traumas, investigo à intimidade.
   Acolho seus segredos, amparo suas lágrimas e incertezas. Forneço informação, explico, rabisco mil vezes a folha de papel com meus esquemas e figuras malucas. Frito minhas idéias pensando no melhor tratamento, o que trará menor impacto o que a fará mais feliz ou menos infeliz. Vou em livros, internet, consulto colegas, porque certezas, estas, ninguém tem. Muito menos a medicina.
   É bela porque ouço cada história de vida, expectativas e anseios.
   É bela porque, para mim, cada mulher é única e especial. E a ela não imponho dogmas, conceitos, nem verdades absolutas. Permito-lhes a dádiva da escolha. A decisão final, seja pelo tipo de pílula ou o tipo de parto é sempre dela.
   Como a polêmica foi meu post sobre a analgesia de parto, doulas, vou lhes contar a história de E.:
   E. é minha paciente há 5 anos, me procurou por conta que queixas urinárias e acabou engravidando do marido, sem planejar. Teve milhões de queixas, não comia, tinha gastrite, dores, etc. à medida que o parto se aproximava ela começou a ter mil e uma fantasias à respeito e lhe era insuportável a idéia de ter um parto normal. Era irredutível. Me fez jurar que nunca iria deixá-la entrar em trabalho de parto e marcamos sua cesárea com 38 semanas. Correu tudo bem, apesar da sua intensa ansiedade. Temi por sua saúde mental no pós-parto, mas ela se mostrou uma leoa e seguiu bem com sua filha. No entanto, sua vida, como a de todos nós, teve algumas pedras: foi demitida do emprego, separou-se do marido e desenvolveu anorexia e Síndrome do pânico. Sumiu por uns tempos e, um dia, me liga grávida novamente e desesperada: o pai da criança a abandonara, a família a recriminava. Ela tomava medicamentos fortíssimos, estava preocupada com risco de má-formação para o bebê. Perdeu o convênio médico e não tinha condição sequer de pagar por um US, passou a morar de favor na casa do ex-marido, que a acolheu e a ampara até hoje.
   Consegui que ela fizesse o Pré natal na UNIFESP, por conta do risco de má-formação do feto e também para que ela tivesse algum apoio psicológico na instituição, o que não aconteceu. Felizmente, o bebê é saudável e ganhou peso apesar da anorexia da mãe. Ao aproximar-se o parto, ela começou a ficar muitíssimo ansiosa, com insônia e crises de pânico. Escrevi uma carta à sua médica do Pré-natal informando à situação e pedindo por um parto cesárea por conta de sua fobia por parto normal. Porém, eu e ela fomos ignorados e a médica foi taxativa : aqui, cesárea só com indicação! Ela ficou sentindo-se à deriva e quis abandonar o Pré natal. Não deixei, escrevi carta, falei com médicos conhecidos, adulei a secretária para que outra médica a atendesse e ela continuou. Mas quando chegou à termo, se recusaram à marcar a cesárea. Novamente, não há indicação! Ao contrário do que vocês acham, não é tão fácil fazer uma cesárea no serviço público. Muito menos por indicação psicológica!
Como não pertenço mais ao setor de obstetrícia da UNIFESP, somente à ginecologia, tive que fazer mil ligações e a pedir, como um favor pessoal a uma plantonista que fizessem a cesárea de E. que será amanhã. E lá estarei, segurando a sua mão e convicta de que estou fazendo o meu melhor por ela, que não tem a menor condição psíquica para ter um parto normal.
   Doulas, lhes contei este caso para ilustrar que o parto normal, nem o natural é o melhor pra todas! E as que não topam ou não aguentam a dor são fracas? Não, são apenas humanas. Estão perdendo uma experiência incrível? Na minha opinião, estão. Mas a minha opinião, serve para mim.
   Se é para levantar uma bandeira, levanto a do tratamento individualizado. Sou contra a tirania de verdades absolutas! Cuidado, vocês estão seguindo o mesmo caminho, levantando vários mitos com relação à cesárea ou ao parto hospitalar, vocês pecam ao generalizar. E vou ler o que recomendaram, para aprender e melhor orientar, mas não para ditar regras. E viva a liberdade do pensamento! Adorei toda esta discussão sobre o assunto! Aprendi muito.
 
 
 

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