O Projeto Afrodite, do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), do qual sou coordenadora desde a fundação, foi criado em 2005 para atender as pacientes com queixas sexuais na pós-menopausa.
O serviço conta com uma abordagem interdisciplinar, que inclui atendimento por médicos, psicólogos e fisioterapeutas trabalhando em conjunto, para que toda complexidade da sexualidade feminina seja melhor avaliada e compreendida.
A Organização Mundial da Saúde colocou a Sexualidade Humana como um dos pilares da qualidade de vida do indivíduo, ao lado do trabalho, da saúde e da família – e aqui conseguimos entender bem a razão. O problema pode abalar a vida profissional, desestabilizar os relacionamentos e trazer sofrimento pessoal, sobretudo porque a pessoa se isola, já que a sexualidade ainda é envolvida por tabus e mitos na nossa sociedade. Por isso, nosso trabalho prioriza a ética e o respeito à diversidade da condição humana.
Das mulheres na menopausa passamos a atender todas acima de 18 anos que tivessem qualquer tipo de disfunção sexual e até mesmo aquelas que só precisavam de uma conversa, contabilizando cerca de mil atendimentos gratuitos e incontáveis palestras de orientação sexual nesses 10 anos. Acolhemos mulheres com as histórias diversas, como vítimas de abuso sexual, violência doméstica, alcoolismo e abandono infantil. Elas traziam consigo sequelas profundas e, muitas vezes, fomos as primeiras a saber dessas dificuldades.
Além de prestar o atendimento às disfunções sexuais femininas, também visamos fortalecer as mulheres quanto à sua figura social. Nas consultas e nos grupos terapêuticos, conversamos sobre machismo, novos papéis femininos e masculinos, dupla jornada de trabalho das mulheres que interfere na libido e conceitos de beleza que abalam a auto-estima, entre outros desafios das mulheres contemporâneas. Entendemos que tais questões impactam a vida sexual e não podem ser deixadas de lado. Acreditamos que uma mulher segura de si é mais livre para se expressar sexualmente.
Nos últimos anos, observamos uma grande procura do nosso serviço por mulheres com dor e/ou dificuldades na penetração vaginal. Elas chegavam após uma peregrinação médica em busca de diagnóstico adequado e tratamento, com uma enorme carga de frustração e sofrimento. Cientes dessa demanda, treinamos nossa equipe e hoje nos tornamos referência no atendimento de tal disfunção sexual (que contabiliza cerca de 60% dos nossos casos atuais).
Além da parte assistencial, nosso grupo também tem um importante papel no ensino da sexualidade feminina aos profissionais de saúde. Treinamos residentes, fisioterapeutas e psicólogos. Proferimos aulas aos estudantes de medicina da UNIFESP e já estamos no segundo ano do nosso curso de Aprimoramento em Disfunções Sexuais Femininas.
A pesquisa também faz parte de nossas prioridades e algumas teses de mestrado e doutorado já foram realizadas no nosso centro. O Projeto Afrodite, inclusive, participa de uma pesquisa global organizada pela OMS sobre as novas classificações em sexualidade do Código Internacional de Doenças (CID- 11).
O Projeto Afrodite nasceu pequeno, mas predestinado a ser grande. Apesar das dificuldades comuns a um serviço público, contamos com o apoio da disciplina de ginecologia endocrinológica da UNIFESP, que nos recebeu de portas e coração abertos.
Hoje, contamos com 15 profissionais fixos na sua equipe (a grande maioria, voluntários), que estão ali não só para aprender ou se aprimorar, mas especialmente porque acreditam e sentem o valor do seu trabalho na vida das mulheres que nos procuram. Com certeza, essa é a nossa maior recompensa.