Para a maioria dos casais, ter um bebê transforma completamente a vida. Tudo começa pelo número de vezes que você desperta – ele é muito maior do que os momentos em que você, de fato, dorme. Sentar-se à mesa para comer uma refeição quente parece um sonho. E basta um piscar de olhos para que você e seu parceiro se peguem falando sobre a consistência do cocô ou quem será o próximo a trocar a fralda do bebê. Para as mulheres, as mudanças são ainda mais importantes e vão além da exaustão. “A flutuação hormonal no puerpério pode trazer uma leve tristeza. Ela precisa lidar com um corpo muito diferente daquele que tinha antes da gravidez, e há ainda a pressão pela amamentação. Além da responsabilidade de produzir o leite para alimentar o bebê, amamentar produz um hormônio chamado prolactina, que inibe a ovulação e, consequentemente, o desejo”, explica a ginecologista, obstetra e sexóloga Carolina Ambrogini, coordenadora do Projeto Afrodite, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e colunista da CRESCER, mãe de Marina, 11, e Victor, 10.
Por isso, é natural que fazer sexo não esteja na lista de prioridades do seu dia. Mais do que isso. Talvez ter relações com o parceiro demore muito mais do que os 40 dias recomendados pelo obstetra após o parto para a maioria das mulheres. Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Purdue, em Indiana, nos Estados Unidos, mostrou que, assim como cada gestação e parto são únicos, a recomendação para a retomada do sexo também deveria ser. “Há mulheres que se sentem prontas antes da ‘quarentena’ devido ao desejo pessoal e do parceiro, enquanto outras expressam dificuldades em retomar o sexo, incluindo queixas como dor e exaustão por causa dos cuidados com o bebê”, revela a cientista Andrea DeMaria, professora assistente da Faculdade de Saúde e Ciências Humanas.
Foi assim com a líder de desenvolvimento de carreira Raquel Azevedo de Oliveira, 39 anos, mãe de Lorenzo, 3 anos. “A primeira transa aconteceu cerca de dois meses após o nascimento do meu filho. Eu estava com mais medo do que excitada. Era como se eu estivesse perdendo a virgindade novamente. Além disso, tinha uma carga física, de exaustão mesmo. Mas eu e meu marido estávamos com saudade um do outro e queríamos aquela aventura de adolescente: Olha, Lorenzo dormiu! Vamos aproveitar! Lembro que foi bem incômodo e pedi para ele parar algumas vezes”, conta Raquel.
Novas formas de prazer
Para a psicanalista Mariana Stock, fundadora do Núcleo de Sexualidade Positiva e Bem-Estar Prazerela, mãe de Maria Luiza, 6 meses, a sexualidade se transforma radicalmente após a maternidade, mas ela continua ativa. “Por isso, precisamos mudar a forma como enxergamos o sexo. Sexo não é sinônimo de penetração. Eu costumo brincar que esse é um ato de compaixão das mulheres. Ela tem de estar muito feliz e excitada para fazer aquilo pelo parceiro. E para isso, é preciso entender que nós, mulheres, temos uma vulva antes de ter uma vagina. Parimos pela vagina e, por isso, não dá para ter muita sensibilidade ali. A vulva é o nosso verdadeiro playground e é capaz de nos dar muito prazer”, explica.
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O processo de redescobrimento do seu corpo e do seu prazer deve começar por você dentro do seu tempo e da sua vontade. “Em vez de pensar em sexo, procure pensar na sexualidade. Aproveite o banho, mesmo que rápido, para se tocar, se masturbar, sentir prazer sem estar relacionado ao outro. É como criar consciência que o seu corpo está ativo”, alerta Mariana.
Foi justamente o caminho que a personal organizer Débora Falangiel, 38 anos, mãe de Eduardo, 5, e Valentina, 2, traçou. Casada há 8 anos, a relação começou a esfriar após o nascimento do segundo filho. “Sinceramente, após um dia de trabalho dentro e fora de casa, a última coisa que eu pensava ao me deitar na cama era em sexo. Com o meu marido, acontecia o mesmo. Resultado: nos perdemos e ficamos sem transar por mais de um ano.
Quando percebi, já nem sequer nos beijávamos ou ficávamos próximos. A falta de sexo virou apenas uma das questões. As conversas eram sempre em torno dos problemas, da falta de grana, da rotina cansativa. Nosso casamento entrou em crise e percebi que precisávamos de ajuda. Procurei um psicólogo e uma terapeuta de casal. Aos poucos, fui entendendo que, antes do casal, eu precisava compreender todos os papéis que eu exercia: de mãe, mulher, profissional, amiga, dona de casa. A partir daí, passei a descobrir o meu corpo, e comecei a ler contos eróticos e a assistir a filmes para programar minha mente para ter desejo. Também evitava discutir sobre problemas a qualquer hora do dia. Com certeza, isso salvou o meu casamento”, conta Débora.
Eles também sofrem
É fato que muitos homens experimentam a mesma dificuldade. O médico Lee Gettler, da Universidade Notre Dame, em Indiana, nos Estados Unidos, descobriu que a testosterona, hormônio masculino, diminui em até 34% nos homens quando têm seu primeiro filho, o que resulta em uma redução da atividade sexual. O menor nível de testosterona faria com que os homens se tornassem mais ligados à família. Pais de bebês recém-nascidos, com menos de 1 mês, apresentaram níveis especialmente baixos do hormônio. Quedas maiores também foram verificadas naqueles que passavam mais de três horas por dia brincando, alimentando, dando banho, vestindo ou lendo para seus filhos.
Respeitar esse processo é fundamental. “A sociedade machista em que vivemos pressiona o homem a ter desejo a qualquer custo e a mulher a satisfazer o marido para não perder o casamento”, critica a psicóloga Ana Luiza Fanganiello, mestre em sexualidade pela Unifesp. O caminho é ter paciência, muito diálogo e buscar outras formas de desejo, de cumplicidade e de prazer.
Nem tudo, no entanto, está perdido. “Na maioria dos relacionamentos, ter filhos fortalece o casamento. Passa a existir uma cumplicidade ainda maior entre o casal, a admiração cresce ao descobrir que o seu companheiro também se sai bem no novo papel de pai e mãe. Existe um sentimento caloroso de proteção, afeto e ternura em torno da nova família que se forma, mas ele pode afastar o desejo, o erotismo e a sexualidade. O segredo é unir as forças da cumplicidade e da admiração com o tesão e levar tudo isso para a cama”, explica a sexóloga Samara Marchiori, coach de relacionamento.
O engenheiro de produção Ricardo Manfredo, 38 anos, e a empresária Sandra Xavier, 36, reencontraram o equilíbrio juntos. “Somos casados há 12 anos, e Sandra sempre foi mais ativa sexualmente. Ela me procurava com muita frequência durante a gravidez, quando passei a ter medo de machucar o bebê com a penetração. Ela me mostrou estudos e me mandou o embasamento da obstetra por e-mail, como um convite. Até que me senti confiante e seguimos transando até o fim do segundo trimestre. Com o nascimento da nossa filha, eu enxerguei naquela mulher uma heroína. Ela enfrentou mais de 15 horas em trabalho de parto ativo, sofreu bastante para amamentar e aprendeu a ser mãe de um jeito instintivo e perfeito. É lindo ver como ela consegue exercer esse novo papel de um modo tão natural. Meu tesão aumentou porque eu sinto muito orgulho da mulher que escolhi. Muitas vezes, pareço um idiota, fazendo exatamente as mesmas coisas que ela faz em menos tempo e com muita mais maestria, mas quero que ela também me admire e, por isso, não abro mão das minhas tarefas. Nossa vida sexual melhorou. Apesar das relações mais espaçadas, os orgasmos são mais intensos. Percebo que as esbarradas pela casa também ficaram mais interessantes, como uma indireta para mais tarde quando a nossa Liz, 2 anos, finalmente dormir.”
Tudo pode melhorar
Ricardo tem razão. Surpreendentemente, há muitas mudanças físicas após a gravidez que podem tornar a vida sexual melhor do que antes. “Experiências sensoriais após o parto podem ser mais intensas”, diz a terapeuta sexual Sallie Foley, coautora do livro Sex Matters for Women, A Complete Guide to Taking Care of Your Sexual Self (algo como “Sexo importa para mulheres: um guia completo para cuidar do seu próprio prazer”, em tradução livre), sem previsão de publicação aqui no Brasil. Certas mulheres apreciam a sensibilidade adicional dos seios maiores por conta da amamentação, enquanto outras alegam que, embora os orgasmos levem mais tempo para serem alcançados devido à fadiga, as sensações podem ser mais profundas fisicamente. Há ainda uma especulação que o aumento do fluxo sanguíneo durante a gravidez torne a área genital mais sensível à estimulação permanentemente.
Animou-se? Então, reflita por um instante. Qual foi a última vez que você teve relação sexual? Quando e como você e seu parceiro criaram um clima de romance e sedução para provocar o desejo um no outro? Redescobrir sua sexualidade após a maternidade oferece novas oportunidades para aprofundar sua compreensão de si mesma e explorar novos níveis de intimidade com seu companheiro. Que tal deixar essa postura passiva e buscar o seu deleite? Inclua o prazer na sua rotina como uma diversão, um momento de lazer, de descontração. Sem cobranças, sem culpa, mas sem desculpas.
Matéria publicada originalmente na Revista Crescer.