Sobre médicos, pacientes e arrogância

Segundo o dicionário Aurélio, arrogância é o ato de atribuir a si mesmo, poder, direito ou privilégio. Pode significar ainda, orgulho ostensivo.
Ser médico não é uma profissão qualquer. Sem desmerecer às outras, mas é, no mínimo, complicado. Principalmente, para o ego. Achar que tem poder sobre a vida humana, que num toque de Midas, se é capaz de salvar alguém da morte ou curar doenças, leva muitos à uma arrogância totalmente desnecessária.

Tenho certeza que alguns escolheram esta profissão por conta da fascinação que este jogo de poder sobre a vida traz. São os que se acham os Deuses do Olimpo. Os que desfilam nos hospitais com os peitos estufados. Abram alas para o Sr Dr passar!
Posso falar com propriedade, porque vivo neste meio. Mas não é só no ambiente universitário ou nos hospitais particulares que estes pseudo-deuses habitam. Ser arrogante com os outros médicos é até esperado, já que competição e hierarquia existe em qualquer ambiente de trabalho. Apesar de achar que quem é arrogante com um colega também o é perante todos.

O pior é ser arrogante com o paciente. Não saber e fingir que sabe. Ditar um tratamento sem oferecer a possibilidade de escolha. Não explicar o que se passa com a saúde do doente. É não olhar nos olhos de quem sofre com medo de não saber o que fazer. É não ter paciência de ouvir.
Sempre achei que ser médico é antes de tudo servir ao outro. É ser clemente diante do sofrimento alheio. E se o paciente não sofre ou não está aflito, no mínimo, tem dúvidas. A grande jóia do médico está em acolher. Fazer um diagnóstico brilhante e estar a par do melhor tratamento? Isto é seu dever como profissional.
Acolhimento não combina com arrogância.

Não é que eu ache que todo médico deva ser um São Francisco de Assis. Não tem que ser santo,abnegado, mas também não pode ser Deus. Tem que ser acessível e tem que estar à disposição do paciente sim. Pelo ao menos naquele momento da consulta. Não gosta de lidar com paciente? Não gosta de ligações no meio do seu dia? Existem várias opções dentro da medicina que não te exigem isto. Mas não dê seu número e finja estar disponível quando realmente não está. Jogue limpo.

Infelizmente, existe também o outro lado da moeda. Pacientes arrogantes. Aqueles que chegam à consulta ditando regras: quer fazer este e aquele exame. O médico só serve para carimbar a guia do convênio. Ou então, ele mesmo faz o diagnóstico e liga para te avisar que estará passando no consultório para pegar a receita do medicamento tal com a secretária…

A relação médico-paciente é deveras delicada, mas é preciosíssima. É o divisor de águas.
Não veria a mínima graça na medicina sem as minhas pacientes. Amo(quase)todas. E me envolvo sim. Não sei ser distante. Posso sofrer junto, mas vibro com cada conquista. Dou o meu telefone como parte da minha função, não me importo. Todos os meus médicos também me deram os deles e já liguei quando estava insegura (principalmente para o santo do pediatra).
Mas não estou aqui para fazer auto-propaganda nem para dizer pieguíces como: “a medicina é um sacerdócio” ou “a medicina é um dom”.
Acho que ficaria um pouco arrogante.

Bjs

P.S.- O post de hoje foi inspirado na estória da minha depiladora que há 5 anos leva seu filho no mesmo pediatra da UBS queixando-se que o menino não crescia. O médico, que não era de muita conversa, receitava vitaminas mesmo com resultado de exames mostrando idade óssea muito aquém do normal. Quando ela reclamava que não estavam adiantando, ele era grosso e dizia para ela cuidar da profissão dela que ele entendia da dele. Resultado: o menino não cresceu 1 cm sequer. Tem nove anos e estatura de quatro. Hoje ela consegue pagar um convênio e trocou de médico que imediatamente a encaminhou para uma consulta com o endócrino-pediatra. Não sei do diagnóstico, mas fiquei indignada e solidária com a aflição dela que me contou tudo aos prantos.

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